Deputados franceses examinam lei “Climat et Résilience”

Por Pascale Pfann

07/04/2021

Há pouco mais de uma semana, deputados estão reunidos no Parlamento francês para discutir a lei de enfrentamento às mudanças climáticas (Loi Climat et Résilience). O projeto de lei é resultado de uma “convenção cidadã” (convention citoyenne – Les propositions de la Convention Citoyenne pour le Climat.) que reuniu 150 pessoas escolhidas por sorteio, representantes da diversidade da população francesa. Esse grupo de pessoas tinha como objetivo definir uma série de medidas para reduzir as emissões de gás de efeito estufa até 2030 dentro de um espírito de justiça social. Os principais temas abordados contidos no documento são educação, publicidade, setor aéreo, artificialização dos solos.

Especialistas e parte da sociedade civil francesa consideram que o projeto de lei está bem aquém das propostas tiradas da convenção. Em entrevista à Radio France, a advogada da Associação Notre Affaire, Chloé Gerbier, afirmou que a meta de reduzir as emissões de gás de estufa em 40% até 2030 é bem inferior à da Europa, que é de 55%, no mesmo período. Tal diminuição seria também pouco ambiciosa com relação ao objetivo de limitar a 1,5° C o aquecimento do planeta até 2050. Para isso, seria necessário diminuir em 72% as emissões de gás de efeito de estufa pela França. Além disso, Chloé diz que as propostas tiradas pela Convention Citoyenne eram duras – impunham o fim das ampliações dos aeroportos ou o fim de centros comerciais sobre áreas artificializadas – mas que o projeto de lei concedeu exceções e limiares mais flexíveis, tornando difícil a regulação. Segundo Chloé, é preciso repensar o modo de consumo no mundo e na França. Cada setor tem suas características. “Os mais ricos são os que viajam de avião. Cerca de 10% ou 15% dos passageiros reservam 50% dos voos aéreos. Não se trata de diminuir o tráfego aéreo, mas sim de impedir a ampliação dos aeroportos e fechar algumas linhas que podem ser substituídas pelo trem. São medidas bem aceitáveis, mas que não entraram no projeto de lei.” Atualmente, a França conta com 86 aeroportos. Destes, 75 são pequenos aeroportos que, para sobreviver, precisam de subsídios públicos que somam 95 milhões de euros por ano.

Foto by Backbone Campaign – cc

Para os especialistas, a pandemia da Covid-19 serviria como impulso para uma maior conscientização da população sobre a necessidade de proteger o meio ambiente. Esse tipo de pandemia é derivado de uma zoonose, doença que se transmite do animal para o ser humano. Tal fenômeno se intensifica com o desmatamento e é cada vez mais intenso por causa da globalização. “Por isso, é de maior interesse haver a judicialização das violações ao meio ambiente. Devemos estar mais vigilantes e impedir ao máximo os ataques frontais à natureza. Como, por exemplo, reconhecer o crime de ecocídio e proteger o meio natural da atividade humana. Em janeiro passado, o Parlamento Europeu votou uma emenda para reconhecer o crime de ecocídio. Na França, a tendência é solapar o seu sentido e seu conteúdo. Por exemplo, o ecocídio é considerado um delito de poluição feito de maneira intencional. Mas, na verdade, é uma ameaça a um ecossistema de forma séria e duradoura.  Os crimes que não são nomeados não são punidos. Hoje, os crimes em massa e as imensas violações ao meio ambiente cometidos, em sua maioria, por multinacionais ou em países em tempos de guerra, devem ser nomeados e são diferentes de delitos de poluição de certos setores da produção.” Para Jean-Michel Valentin, especialista em questões climáticas, “a introdução da questão das mudanças climáticas na lei também significa uma evolução da norma. Várias empresas e famílias de empresas começam a integrar as questões climáticas em suas discussões. Os grandes fundos de investimento americanos estão entrando nesse jogo, mesmo que ainda não tenham se tornado ‘atores ecológicos’ A França tem se destacado internacionalmente por seu debate de ideias.“ Na União Europeia, nos EUA, em alguns países do Oriente Médio, África ou Ásia , a questão das mudanças climáticas também se impõe  e se vê que a mobilização no combate às mudanças climáticas implica um questionamento. Mas quais questionamentos, quais prioridades? “É preciso lembrar que todos os protagonistas mobilizados são herdeiros de dois séculos de evolução industrial. O que fazer com essa herança e como orientá-la?”, constata Valentin.

Neve em estrada do Texas

O debate sobre as mudanças climáticas decorre dos efeitos sentidos no mundo. Valentin cita como exemplo disso a onda de frio que atingiu o estado norte-americano do Texas em fevereiro passado. “. O Texas é um dos estados mais importantes para a indústria energética americana e mundial. Com o frio, o encanamento das casas estourou e 15 milhões de pessoas ficaram sem água potável e energia. Devido à pandemia da Covid-19, que já dura 1 ano, o “renascimento energético do Texas” (resultante essencialmente da indústria do petróleo e do gás de xisto) sofreu muito e 60 mil pessoas já estavam desempregadas, antes desta onda de frio. Vemos, com isso tudo, como os efeitos muito concretos das mudanças climáticas se combinam com outras questões, tais como a evolução da indústria energética, e como a indústria energética é dependente da evolução global da demanda de energia, que por sua vez é impactada pela pandemia da Covid-19. Essa convergência de crises é o que o ensaísta americano James Howard Kunstler chama de “a longa emergência”. É a maneira como todas as vulnerabilidades contemporâneas convergem entre si devido às mudanças climáticas.”

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