A Startup que cresce movida a óleo de cozinha usado

Por Pascale Pfann

A recente aprovação pelos deputados franceses da emenda que permite utilizar o óleo de fritura usado como combustível pode servir de incentivo à população no Brasil? Descartar o óleo usado é bom não só para o meio ambiente como evita o entupimento de canalizações residenciais ou de tratamento de esgoto, além de servir para a produção de biocombustíveis.

Coincidência ou não, só no último mês, a startup carioca Pac Óleo, que atua na área de coleta de óleo de fritura usado, no Rio de Janeiro, registrou um forte aumento do número de pedidos. “Mais cinco restaurantes entraram em contato conosco para solicitar o nosso serviço”, diz Bianca Mattos, cofundadora da “Pac Óleo”. “Mas nós também fizemos uma campanha de vendas, este mês, após resolver a questão da logística e começar a atuar com maior eficiência”, acrescenta ela.

Os líderes sustentáveis deste mês formam um trio: Bianca Mattos e Walnier Souza, fundadores da Pac Óleo, e Graziela “Graci” Albuquerque, responsável pela área de clientes. Por que o óleo de fritura usado? “A ideia inicial era coletar o óleo para transformar em sabão e gerar renda para moradores de comunidades como iniciativa de um projeto social”, diz Bianca Mattos, cofundadora da Pac Óleo. “Aí, ele foi ampliado, pois a gente percebeu que não tinha um caminho claro para coletar de todos os geradores dessa matéria-prima.” A startup está alinhada com o movimento de reaproveitamento dos recursos naturais, a economia circular e a conscientização de que é preciso incluir todos nessa nova realidade de conscientização ecológica.

Leia a seguir, na íntegra, a entrevista de Bianca Mattos:

Fact Mundi: Como foi o início do Pac Óleo?

Bianca Mattos: Quando a gente começou a pesquisar sobre isso, ficou claro que a área de favelas, aqui no Rio, não tinha nenhuma iniciativa. Se nessas áreas não tem coleta nem de resíduo comum, imagina de óleo de cozinha usado. Então, a gente começou a pensar em fazer planos de coleta em comunidades. Mas depois, viu que o problema é de coleta domiciliar e de condomínio, no Rio de Janeiro. Em toda a cidade, não existe alguém que foque em condomínio, em domicílio. Então, a gente tentou modelar a coleta fazendo com que os restaurantes, que têm maior volume, sustentem a coleta em microrregiões. Ou seja, quando o carro sai da garagem, a gente já sabe que o valor obtido com esses restaurantes já cobre o custo que eu tenho e já começa a nascer o lucro da empresa. Aí, eu consigo incluir condomínios e domicílios, que têm um volume menor de óleo, dentro da minha rota de coleta.

Fact Mundi: E depois da coleta?

Bianca Mattos: Depois da coleta, a gente entrega para uma empresa que tem o papel de ser um armazenador temporário. Lá, tem o galão e os decantadores. É um galpão que fica em São Cristóvão, no Rio de Janeiro. Eles têm 2 galões muito grandes para o óleo. Eles enchem os galões e fazem faz todo o tratamento necessário. E não basta fazer a decantação e filtrar, tem que fazer uma limpeza específica, porque tem toda a questão de pH e tal. Depois de tratado, o óleo vai então para um caminhão-pipa (cerca de 10m³), e segue para a indústria de biocombustível ou para a fabricação de ração animal.

Fact Mundi: A população tem consciência da necessidade de descartar o óleo em lugares apropriados?

Bianca Mattos: Como eu disse, antes de começar a operar efetivamente, a gente fez duas pesquisas de campo, batendo na porta das pessoas, em duas comunidades aqui do Rio. A gente queria ver como era o descarte, naquela região. O que identificamos? As pessoas têm consciência de que não podem jogar o óleo usado no ralo. Mas não é uma conscientização ambiental. Elas não querem é entupir o cano da residência. Então, o que elas fazem? Na maior parte do tempo, elas colocam o óleo de fritura numa garrafa pet e deixam para a Comlurb recolher. Isso foi o que a maior parte das pessoas entrevistadas falou. A partir dessas informações, veio a ideia: essas pessoas poderiam levar o óleo usado até um “pac ponto”. Ou a gente pode buscar o óleo na porta. Mas ainda não existe um local específico para colocar o nosso ponto de coleta. Eu estava negociando com uma Associação de Moradores do Chapéu Mangueira e já coloquei um ponto próximo à comunidade dos Macacos, em Vila Isabel. Mas não deu certo porque precisa de divulgação e do apoio da parceria. Se o parceiro não apoia a divulgação, a gente não dá conta sozinho. A gente vai tentar agora uma parceria com uma casa que faz quentinha vegana, em uma comunidade no Rio Comprido. Mas os condomínios também deveriam entrar nessa ação. Só que, aí, a gente precisa do síndico. E a gente vê que, quando o síndico é engajado, a coisa funciona. Quando o síndico quer saber para onde estão indo os resíduos no condomínio dele, a coisa funciona.

Fact Mundi: E qual é a periodicidade da coleta?

Bianca Mattos: A nossa coleta é semanal, em geral. Raramente, de 15 em 15 dias. Depende do foco do restaurante. Uma hamburgueria, por exemplo, tem coleta toda semana porque tem um fluxo muito grande de batata frita. Tudo que tem petisco é toda semana. Agora, pizzaria é uma vez ao mês.

Fact Mundi: E qual é o volume de coleta?

Bianca Mattos: A gente coleta cerca de 150l por vez, o que dá uns 300l de óleo usado por semana. Mas, esta semana, por exemplo, tivemos um aumento de pedidos, então, coletamos um pouco mais.

Fact Mundi: Então, está havendo um aumento de pedidos de coleta?

Bianca Mattos: Bem, a gente começou uma campanha de vendas, este mês, porque antes precisava resolver umas questões de logística: não tinha carro de coleta próprio e utilizava os veículos de outras empresas. Mas não deu certo. Então, em 2022, a gente entrou com um carro próprio e, agora, está podendo fazer a própria rota. Com a divulgação, do mês passado para cá, já teve um aumento de 5 restaurantes na nossa base. Agora, a gente está com um ponto de coleta voluntária adicional em uma rede de academias. Vamos ver se vai dar certo. Se a demanda crescer, a gente tem espaço para crescer aqui na coleta.

Fact Mundi: E você acha que há espaço para crescer?

Bianca Mattos: Só de restaurante, há um grande potencial. Apenas no Rio de Janeiro, são 15.000 restaurantes. Alguns já fazem a coleta, à maneira deles. Mas a grande maioria não tem um posicionamento sobre o assunto. A visão deles é prática, do tipo: “Eu não quero entupir meu cano, então, eu vou fazer.” E a Pac Óleo tenta agregar valor. Eu chego falando: “Olha, além de coletar o seu óleo, vou te dar documentação correta e ainda vou ajudar uma instituição de caridade, dar quentinha na rua e tal”. Afinal, é um pacto circular. E imagino que a indústria tenha capacidade de absorção de um maior volume. A empresa para a qual a gente fornece, enche o galão, o mais rapidamente possível. Quanto mais rápido eles encherem o galão, mais rápido eles enviarão o produto para a indústria. E qualquer pessoa pode, inclusive, ganhar uma renda extra com o óleo usado, basta se organizar, separar o óleo de fritura e vender, depois. Para os fornecedores, interessa aumentar a venda, para a indústria também. Se organizar tudo, tem espaço para crescer.

Fact Mundi: Você falou em ações socioambientais? Além de ser bom para o meio ambiente, a reciclagem do óleo de fritura usado pode favorecer projetos desse tipo?

Bianca Mattos: Sim. A ideia inicial era coletar o óleo para transformar em sabão e gerar renda para moradores de comunidades. Porque a proposta da Pac Óleo não é só coletar o óleo de cozinha usado e vendê-lo para a indústria, mas também pegar esse óleo e utilizar esse resíduo como dinamizador de outras ações socioambientais. Nós já temos uma parceria com a Coclima, que é uma empresa também engajada em ações de conscientização ambiental, e para a qual a gente repassa parte do valor recebido pelo óleo para ela fazer ações de plantio. Agora, eu já disse, né, a gente vai tentar fazer também está com uma parceria com um restaurante vegano e parte do valor arrecadado com o óleo usado vai ser destinado a um número “x” de quentinhas para uma comunidade. Vamos ver se assim, comunidade adere. A gente dá uma parte dos nossos recursos para ajudar ONGs que precisam de apoio.

Fact Mundi: Uma última pergunta, que pode causar surpresa: você já ouviu falar em utilização do óleo de fritura usado no tanque do combustível?

Bianca Mattos: (risos) Nunca ouvi falar em usar direto no carro. Já ouvi várias coisas, tipo colocar álcool, mas óleo de cozinha usado, nunca.

Fact Mundi: Obrigada pela entrevista, Bianca, e sucesso à Pac Óleo.

Bianca Mattos: Obrigada, estamos à disposição.

Fact Mundi: Mas existe sim, quem utiliza óleo de cozinha usado diretamente no tanque de combustível. E a gente vai falar disso, da legislação e do potencial gigantesco que o óleo de fritura usado tem no Brasil, com a pesquisadora do Embrapa, Itânia Soares, que nos deu uma entrevista. Em breve, aguarde.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *