Repensar o urbanismo em tempos de mudanças climáticas

16/11/2023

De Pascale Pfann

Há um mês que a França registra um recorde de chuva, em todo o país, segundo dados do instituto de meteorologia do país, a Météo France. Temporais ou episódios de chuvas constantes resultaram em um acúmulo médio de água da chuva jamais visto antes, durante 26 dias consecutivos. O recorde registrado anteriormente, em 1993, havia sido de um acúmulo médio de precipitação de 196,9mm em 26 dias, contra o atual registro de 215,4mm de água da chuva acumulada. Em entrevista à rádio francesa Franceinfo, climatologistas afirmam categoricamente: “Os riscos desse tipo de catástrofe natural estão aumentando por causa das mudanças climáticas.”

O serviço de meteorologia da França precisa se preparar para a nova realidade climática

ADAPTAR-SE PARA RESISTIR

O arquiteto francês Eric Daniel-Lacombe, professor da Escola nacional de arquitetura de Paris-La Villette, é um dos maiores especialistas em construções em áreas inundáveis. Ele criou um bairro inteiro, na cidade de Romorantin, no departamento Loir-et-Cher, que foi capaz de resistir às recentes inundações. Sua concepção urbanística particular organiza prédios, casas e conjuntos habitacionais de forma a enfrentar sem maiores problemas as cheias do rio, cada vez mais frequentes.

Um dos projetos do arquiteto Eric Daniel-Lacombe para áreas inundáveis.

O trabalho de Eric Daniel-Lacombe foi apresentado no programa de televisão Sur le front, transmitido na França, há uma semana, com o tema “Temporais, inundações : será que estamos preparados?” Como resume o título, o documentário questiona se a França está preparada para os temporais, que são cada vez mais frequentes e violentos no país.

Segundo a reportagem, há várias frentes de ação para enfrentar essa nova realidade climática:

O serviço de meteorologia – na França, o serviço nacional de meteorologia já começou a implementar novas tecnologias. Segundo os técnicos entrevistados, a expertise dos especialistas estaria sendo pouco aproveitada.

Ações de cidadãos comuns – reunidos em associações, os cidadãos se mobilizam de formas variadas, seja para exigir projetos adaptados à nova realidade, seja criando suas próprias estações meteorológicas. Essa última iniciativa tem beneficiado os moradores, que conseguem se preparar para enfrentar as chuvas fortes.

Normas para construir – o Código do Meio Ambiente, em vigor no país, prevê a construção de “bassins” (cisternas) para reter a água da chuva no caso de empreendimentos que ultrapassem 1 hectare e que impeçam o devido escoamento dessa água. Atualmente, esses “bassins” são chamados também de “bassins” de compensação. Ecologistas denunciam essa medida como uma operação de “écoblanchiment”, termo que pode ser traduzido como “lavagem ecológica”.

Reformulação urbanística – prevenir é melhor que remediar. É o que faz o arquiteto  Eric Daniel-Lacombe ao repensar os projetos urbanísticos para que resistam às inundações.

O ARQUITETO DA PREVENÇÃO

Em 2007, Eric Daniel-Lacombe (na foto ao lado) venceu um concurso de arquitetura em Romorantin. Mas ainda não sabia que o bairro era sujeito a inundações. Quando se deu conta dessa particularidade, o arquiteto refez praticamente todo o projeto. E o resultado disso foi que as áreas projetadas, já levando em consideração os riscos de inundação, resistiram intactas às cheias de 2016, a pior já registrada na cidade. A moradora entrevistada no programa relata que, neste episódio, a água não entrou no prédio em que mora. “Fiquei bem impressionada. Acho que isso foi muito bem estudado”, diz ela.

Foto: EDL

O arquiteto afirma que esse tipo de planejamento urbano é inédito. Em linhas gerais, a nova concepção deslocou casas para terrenos mais altos e planos, todas construídas sobre pilotis, a uma altura que leva em conta a elevação do nível da água. “Tudo é paralelo ao curso do rio: as ruas, os prédios, os jardins… Nenhum obstáculo trava o caminho do rio”, explica Eric Daniel-Lacombe, arquiteto, que sentencia “Hoje, não há mais dúvidas se essas terras são das casas ou do rio: elas pertencem ao rio.”

Projeto para áreas inundáveis, da EDL

Além de deslocar as casas para mais acima na montanha, Eric também sugere demarcar uma área não construtiva às margens do rio, usar essas áreas para plantar hortas, remanejar as estradas da montanha e conservar áreas naturais que serviriam de proteção.

FRANÇA AMEAÇADA DE INUNDAÇÕES

Na França, 64% dos municípios estão expostos ao risco de inundações. “Sobretudo pelo fato de, historicamente, as cidades terem se fixado ao longo de cursos de água, usados, na época, como vias de transporte, o que foi, posteriormente, reforçado.” Em entrevista à rádio francesa Franceinfo, os climatologistas afirmam categoricamente: “Os riscos desse tipo de catástrofe natural estão aumentando por causa das mudanças climáticas.” Segundo um relatório publicado em janeiro constata-se que a frequência anual de “acidentes gravíssimos” desse tipo praticamente quadruplicou em 20 anos. A nova realidade pode surpreender alguns, mas não é novidade para os especialistas, é como chover no molhado.

Foto de capa: © Nicolas DUPREY/Département des Yvelines

Fonte: Sur le front, Légifrance, FranceInfo, Reporterre,

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